Bom, estou de férias da residência mas, por incrível que pareça, não consigo deixar de pensar na minha atividade. Virou uma rotina tão intensa que por vezes me pego lembrando dos meus pacientes e de todo o trabalho que tive e o que ainda está por vir. Confesso que esse ano que se inicia me assusta um pouco, visto que tenho que dar conta de muita coisa e decidir minha vida em pouco tempo.
Calma, não vou deixá-los ansiosos como eu estou, ou pelo menos vou tentar. Primeiro, deixando-os a par de que atividade é essa que faço, sou psicóloga residente. Atuo na área de concentração saúde renal de um hospital universitário. Minha escolha por essa área não veio do acaso, tenho motivos bem pessoais para querer ingressar no campo e conhecer o que é possível fazer pelos pacientes que sofrem de doença renal crônica. Lembro o quão desafiador foi me deparar com uma sala de hemodiálise, ver pessoas presas naquelas máquinas e conhecer a rotina de cada uma delas. Antes só ouvia falar bem pouco sobre a doença, tive um caso na família de alguém muito querido que veio a adquirir a enfermidade e, infelizmente veio a óbito.
Desde então tive uma curiosidade peculiar em entender o que se passava, de onde vinha e porque progredia tão rapidamente. A pessoa que adquire doença renal crônica, dependendo do grau em que se encontre a doença, vivencia uma mudança dilacerante em sua vida. Isso porque tem que se adaptar a uma nova condição e não há um dia sequer que a lembrança da doença deixe de bater a sua porta. Os efeitos são visíveis, tanto os físicos quanto psicológicos. Daí a importância de um psicólogo para ajudar o paciente a "aceitar" o tratamento e seguí-lo conforme o esperado.
No hospital, me deparo com crianças, adolescentes, adultos e idosos que se encontram na mesma situação. Super heróis da vida real. Alguns já estão seguindo a terapia há bastante tempo, outros acabaram de receber o diagnóstico, alguns estão a espera de um transplante, outros continuam resistentes às restrições alimentares e de outra ordem... enfim, os casos são os mais diversos. Identificar os recursos de enfrentamento que o paciente faz uso para lidar com a condição de adoecimento da melhor forma, faz parte do nosso papel como profissional de psicologia.
Que prisão é essa, que destino é esse que sufoca os sonhos e planos de tantos deles? Que os obriga a seguir uma vida diferente, cheia de limitações e cuidados, que desafia a esperança, que surpreende a cada minuto. Uma doença que os torna reféns de si mesmos, bombas-relógio a espreita de qualquer oscilação no quadro clínico. Que afasta o homem de seu trabalho, o jovem da escola, o idoso de seu descanso, a criança do seu brincar para se submeter a dolorosas punções, três dias na semana durante quatro horas, muitos advindos de outros municípios. O que fazer para minimizar tamanho sofrimento/angústia.
Esse assunto me incomoda.